Voltei da DPW NY com uma visão mais clara de para onde está caminhando a discussão sobre tecnologia e inovação em Procurement. Ao longo de dois dias, acompanhei palestras, conversei com profissionais de diversos países e tentei entender não só o que está em destaque, mas também o que perdeu espaço.
ESG, D&I e dados ficaram de fora
Na edição de 2023, em Amsterdam, havia uma presença forte de startups e soluções voltadas a ESG, diversidade e análise de dados. Em 2025, o cenário foi outro.
Foi difícil encontrar empresas ou apresentações centradas nesses temas. E as poucas que ainda abordavam ESG ou D&I pareciam deslocadas, com menos tração do que já tiveram em anos anteriores.
Esse apagamento não veio do nada. A mudança de ventos políticos e culturais nos Estados Unidos, especialmente entre grandes corporações, catalisou o esvaziamento dessas pautas nas discussões de tecnologia para Procurement. O foco saiu das agendas socioambientais e de diversidade e voltou-se quase por completo para eficiência operacional e inteligência artificial.
No caso do tema de grandes plataformas de dados de fornecedores, a impressão é que ele se tornou, ao mesmo tempo, complexo demais para ser viável em escala, e com pouco retorno prático para muitos casos de uso.
Soluções de marketplace voltadas a discovery enfrentam um problema estrutural: a falta de recorrência real no uso.
O foco quase exclusivo em agentes de IA e orquestração
A grande maioria das conversas, apresentações e demonstrações girou em torno de soluções baseadas em inteligência artificial, especialmente com uso de agentes e mecanismos de orquestração.
A ideia de orquestrar fluxos de Procurement já vinha ganhando espaço nos últimos anos, mas ainda era uma categoria em formação, sem definição clara nem consenso sobre o que de fato entregava valor. Agora, com a entrada da inteligência artificial generativa e dos agentes como novo eixo tecnológico dominante, o desafio se tornou ainda maior.
A impressão que tive foi de que muitas das soluções de orquestração estão tentando, com certa urgência, reconfigurar sua proposta de valor para se alinhar ao momento atual da IA.
É como se essas soluções tivessem que lidar, ao mesmo tempo, com duas ordens de magnitude de hype e incerteza. Uma categoria ainda não consolidada sendo engolida por outra ainda mais incerta.
As primeiras críticas à orquestração
Ao mesmo tempo em que a orquestração apareceu com força na DPW 2025, também começaram a surgir questionamentos públicos sobre seu real impacto. Algumas falas no evento, e também debates em paralelo, expuseram uma visão mais crítica sobre a proposta como categoria tecnológica.
Alguns estão apontando que orquestração se tornou uma forma de reorganizar a complexidade criada por sistemas legados, sem necessariamente resolver o problema estrutural. Há quem veja essa abordagem como uma solução intermediária útil, mas paliativa, enquanto outras estruturas mais integradas não se tornam viáveis.
Um dado relevante veio da palestra de Aditya Challapally, da Microsoft: menos de 5% dos projetos de IA e orquestração conseguem escalar com sucesso. E mesmo entre esses poucos casos, boa parte são, nas palavras dele, startups que nem chegaram a ter um produto real, oferecendo na prática uma consultoria para resolver um caso de uso extremamente específico.
Por outro lado, há quem argumente que orquestração não é apenas necessária, mas inevitável no curto e médio prazo, justamente pela fragmentação dos sistemas atuais e pela dificuldade real de consolidação. A crítica, nesse caso, não é contra a orquestração em si, mas contra a forma como ela vem sendo vendida: com promessas amplas demais para maturidades técnicas e organizacionais ainda limitadas.
A ideia de system of action como caminho possível
Entre as abordagens mais interessantes que apareceram no evento está a ideia de system of action. Em vez de simplesmente registrar dados ou mapear processos, esse tipo de sistema atua diretamente: agentes e usuários executam tarefas, aprendem e iteram em ciclos de atividades contínuos.
O foco não está mais apenas em organizar o trabalho, mas em realizá-lo. Isso abre espaço para agentes que não apenas acompanham fluxos, mas também operam decisões e automatizam entregas.
Nesse cenário, ferramentas que conseguem reunir dados, interpretar contexto e agir de forma proativa têm uma vantagem estratégica clara. Elas podem se tornar o novo centro de gravidade dos processos de Procurement, o lugar onde o trabalho realmente acontece e que pode paulatinamente roubar o espaço dos ERPs e e-procurement encastelados há décadas dentro das corporações.
Essa lógica conecta diretamente com uma provocação feita por Dr. Elouise Epstein: o system of action pode ser o início do fim dos ERPs como conhecemos. Para ela, esses sistemas centralizadores e monolíticos perderam a capacidade de acompanhar a complexidade e velocidade atuais.
A execução de processos está migrando para soluções mais leves, inteligentes e descentralizadas. E é nessa lacuna que os “sistemas de ação” deveriam estar se posicionando.
Encontros com os brasileiros de Procurement
Embora a Linkana tenha sido a única empresa brasileira oficialmente presente na DPW NY, foi ótimo encontrar outros profissionais do Brasil atuando na área, e queria destacar conversar super legais que tive com o Carlos, o Thiago, a Janaína e o João.
O João, curiosamente, esteve diretamente envolvido na contratação da Linkana em um dos nossos maiores clientes. Durante o evento, alinhamos a ideia de compartilhar mais do conhecimento e relacionamentos que ele construiu em seu MBA em Stanford com o mercado brasileiro em breve!
Reflexão final
A DPW 2025 reforçou que a discussão sobre IA aplicada a Procurement deixou de ser conceitual. Muitas empresas já estão colocando agentes em produção, outras estão tendo que adaptar suas propostas com rapidez, e um novo ciclo de maturidade está se formando.
A Linkana participou novamente do evento como a única empresa brasileira presente. E saí ainda mais convicto da relevância da nossa visão.
Acredito na ideia de orquestração aplicada a SRM e à gestão de fornecedores, que continuam sendo uma das pontas mais soltas dentro do Procurement corporativo. O desafio está em organizar um ecossistema repleto de sistemas legados e fluxos paralelos, sem cair na armadilha de criar uma nova camada de complexidade em cima do que já está muito ruim.
Por outro lado, é importante dizer que eu não acredito em 90% das aplicações de IA que estão sendo vendidas atualmente. Muitas das promessas que escutei por aqui ignoram um ponto essencial: IA generativa não é uma ferramenta determinística. Ela funciona com base em padrões, probabilidade e contexto.
Por isso, é fundamental ter clareza sobre quais casos de uso realmente oferecem valor ao usuário, e quais são apenas uma tentativa de se aproveitar da onda (ou um chatbot glorificado).
Na minha opinião, a ideia de copilotos e assistentes é muito mais viável hoje do que as narrativas de automação total e substituição de empresas inteiras, como as que vêm sendo defendidas por players mais marketeiros.
Ainda estamos num momento em que IA faz mais sentido como apoio, não como autonomia plena, principalmente nas grandes empresas.
DPW no Brasil?
E para finalizar, uma possível novidade super legal: pelas conversas que tive com os organizadores do evento, surgiu a possibilidade de uma edição da DPW acontecer em São Paulo.
Se isso realmente avançar (vou fazer o possível para que aconteça), vai ser um passo importante para uma necessária conexão do nosso ecossistema brasileiro ao debate global, que na minha opinião, infelizmente, está bem mais avançado do que o nosso.
Nos falamos na próxima DPW, seja ela onde for!